Capítulo 5 Propriedade e Poder: ganhos mútuos e conflitos
Como as instituições influenciam o equilíbrio de poder das interações econômicas e afetam a equidade e a eficiência da alocação de recursos
- A tecnologia, a biologia, as instituições econômicas e as preferências pessoais são determinantes importantes dos resultados econômicos.
- Poder é a capacidade de fazer e conseguir as coisas que queremos em oposição às intenções dos outros.
- As interações entre agentes econômicos podem resultar em ganhos mútuos, mas também em conflitos sobre como distribuir estes ganhos.
- As instituições exercem influência sobre o poder e sobre outras vantagens de negociação dos agentes.
- Os critérios de eficiência e equidade podem ajudar a avaliar as instituições econômicas e os resultados das interações econômicas.
Talvez um dos seus antepassados distantes tenha considerado que o melhor jeito de ganhar dinheiro era entrar para a tripulação de um pirata como Barba Negra ou Capitão Kidd. Se tivesse escolhido entrar para a tripulação do Royal Rover, o navio pirata do Capitão Bartholomew Roberts, ele e os outros tripulantes precisariam aceitar cumprir a constituição escrita do navio. Esse documento (chamado de Artigos do Royal Rover) garantia, entre outras coisas, que:1
Artigo I
Todos os homens têm direito a voto nos assuntos do momento; têm direito igual a mantimentos frescos…Artigo III
Ninguém pode jogar cartas ou dados fazendo apostas em dinheiro.Artigo IV
Luzes e velas devem ser apagadas às oito horas da noite; se qualquer membro da tripulação quiser continuar bebendo depois desse horário, deverá fazê-lo no convés ao ar livre…Artigo X
O Capitão e o Contramestre receberão duas partes da recompensa (o saque de um navio capturado); o Mestre, o Imediato e o Artilheiro, uma parte e meia, e outros Oficiais, uma parcela e um quarto (todos os outros recebem uma parte, chamada de Dividendo).Artigo XI
Os Músicos terão folga no sábado, mas nos outros seis dias e noites, só se tiverem uma licença especial.
O Royal Rover e seus Artigos não eram incomuns. Durante o auge da pirataria europeia, no final do século XVII e início do XVIII, a maioria dos navios piratas tinha constituições escritas que garantiam ainda mais poderes aos membros da tripulação. Seus capitães eram eleitos democraticamente (“o posto de Capitão sendo obtido pelo sufrágio da maioria”). Muitos capitães também eram destituídos por voto, com pelo menos um caso de destituição por covardia em batalha. As tripulações também elegiam o contramestre, o qual, quando o navio não estava em batalha, podia revogar as ordens do capitão.
Se seu ancestral tivesse o posto de vigia e fosse o primeiro a avistar um navio que depois seria capturado, receberia como recompensa “o melhor par de pistolas a bordo, além do seu dividendo”. Se fosse gravemente ferido em batalha, os artigos lhe garantiam indenização pelo ferimento (maior se perder braço ou perna direitos do que esquerdos). Ele faria parte de uma tripulação multirracial e multiétnica, da qual cerca de um quarto era de origem africana, e o resto era majoritariamente descendente de europeus e americanos.
O resultado é que, com frequência, uma tripulação pirata era um grupo muito unido. Um observador contemporâneo lamentou que os piratas fossem “perversamente unidos e articulados”. Muitas vezes, marinheiros de navios mercantes capturados ficavam felizes em se juntar à “comunidade dos bandidos” de seus piratas captores.
Outro infeliz comentarista observou: “esses homens a quem chamamos… Escândalo da Natureza humana, entregues a todos os vícios… eram rigorosamente justos entre si”. Com essa descrição, se fossem Respondentes no jogo do ultimato (explicado no Capítulo 4, Seção 4.10), teriam rejeitado qualquer oferta menor do que metade do bolo!
5.1 Instituições e poder
No final do século XVII e início do XVIII, não havia outro lugar do mundo em que trabalhadores comuns tivessem direito ao voto, a receber indenização por lesões ocupacionais ou à proteção contra abuso de autoridade, direitos tidos como assegurados no Royal Rover. Os artigos do Royal Rover registravam por escrito os acordos dos piratas a respeito de suas condições de trabalho, assim como determinavam quem fazia o quê a bordo do navio e o que cada um receberia. Por exemplo, qual seria o tamanho do dividendo do timoneiro em relação ao do artilheiro. Havia também regras informais, não escritas, a respeito do comportamento apropriado que os piratas seguiam por costume ou para não serem censurados pelos colegas de tripulação.
Instituições
As instituições são regras escritas e não escritas que regem:
- o que as pessoas fazem quando interagem em um projeto conjunto
- a distribuição dos produtos de seu esforço conjunto
Essas regras, escritas e não escritas, eram as instituições que regiam as interações entre os tripulantes do Royal Rover.
- incentivo
- Recompensa ou punição econômica que influencia os benefícios e os custos de cursos alternativos de ação.
As instituições determinavam tanto as restrições (não beber após as oito da noite, a menos que seja no convés) quanto os incentivos (o vigia que avistar um navio que fosse capturado ganha o melhor par de pistolas). Na terminologia de teoria dos jogos do capítulo anterior, diríamos que essas são as “regras do jogo” que, como no jogo do ultimato da Seção 4.10, especificam quem pode fazer o que, quando podem fazê-lo e como as ações dos jogadores determinam seus payoffs.
Neste capítulo, usamos os termos “instituições” e “regras do jogo” indistintamente.
Os experimentos do Capítulo 4 nos mostraram que as regras do jogo afetam:
- como se joga o jogo
- o total de payoff disponível aos participantes
- como esse total é dividido
No jogo do ultimato, por exemplo, as regras (instituições) especificam o tamanho do bolo, quem será o Proponente, o que o Proponente pode fazer (oferecer qualquer fração do bolo), o que o Respondente pode fazer (aceitar ou recusar) e quem recebe o quê como resultado.
Também vimos que mudar as regras do jogo muda os resultados. Em especial, quando há dois Respondentes no jogo do ultimato, eles tendem a aceitar ofertas menores porque nenhum tem certeza do que o outro fará. Isso significa que o Proponente pode fazer uma oferta menor e obter um ganho maior.
Uma vez que determinam quem pode fazer o quê e como os payoffs são distribuídos, as instituições determinam o poder que os indivíduos têm para conseguir o que querem nas interações com os outros.
Poder
Capacidade de fazer e conseguir as coisas que queremos em oposição às intenções dos outros.
Em economia, o poder assume duas formas principais:
- Poder de estabelecer os termos de uma troca: ao fazer uma oferta do tipo “pegar ou largar” (como no jogo do ultimato).
- Poder de impor ou ameaçar impor altos custos: a menos que a outra parte aja de uma forma que beneficia a pessoa com poder.
- poder de barganha
- Grau de vantagem que uma pessoa tem para assegurar uma maior parte das rendas econômicas possibilitadas por uma interação.
As regras do jogo do ultimato determinam a habilidade dos jogadores em obter um maior payoff — seu grau de vantagem na divisão do bolo — o que é uma forma de poder chamada de poder de barganha. O poder de fazer uma oferta “pegar ou largar” dá mais poder de barganha ao Proponente do que ao Respondente, e geralmente resulta no Proponente recebendo mais da metade do bolo. Ainda assim, o poder de barganha do Proponente é limitado, pois o Respondente tem o poder de recusar a oferta. Se há dois Respondentes, o poder de recusar é mais fraco, logo, o poder de barganha do Proponente é maior neste caso.
Nos experimentos, a designação de Proponente ou Respondente e, portanto, a alocação de poder de barganha, é aleatória, feita por sorteio. Nas economias reais, a atribuição de poder definitivamente não é aleatória.
No mercado de trabalho, o poder de definir os termos da troca geralmente está nas mãos dos proprietários de empresas ou negócios: são eles que propõem os salários e outras condições de emprego. Aqueles que procuram emprego são como os Respondentes. Como geralmente há mais de um candidato para uma mesma vaga, seu poder de barganha pode ser baixo, assim como ocorre no jogo do ultimato quando há mais de um Respondente. Além disso, como o local de trabalho é sua propriedade privada, o empregador pode excluir o trabalhador ou trabalhadora ao demiti-los, a menos que seu trabalho satisfaça as especificações estabelecidas pelo empregador.
Nos Capítulos 1 e 2, vimos que a produtividade do trabalho na Grã-Bretanha começou a aumentar em meados do século XVII, mas foi só em meados do XIX que uma combinação de mudanças na oferta e na demanda por trabalho com o surgimento de novas instituições, como sindicatos e direito ao voto para os trabalhadores, deu aos assalariados poder de barganha para aumentar significativamente os salários.
No próximo capítulo, veremos como o mercado de trabalho, junto a outras instituições, dá ambos os tipos de poder aos empregadores. No Capítulo 7, explicaremos como algumas firmas têm o poder de estabelecer preços altos para seus produtos, e no Capítulo 10, veremos como o mercado de crédito dá a bancos e outros credores poder sobre as pessoas que buscam empréstimos e financiamentos imobiliários.
O poder de dizer não
Suponha que permitimos que um Proponente simplesmente divida o bolo de qualquer forma, sem qualquer papel para o Respondente exceto aceitar o que lhe oferecem (se é que lhe oferecem algo). Sob essas regras, o Proponente tem todo o poder de barganha e o Respondente, nenhum. Existe um jogo experimental como esse, chamado de jogo do ditador (como você deve ter adivinhado).
No passado e no presente, há muitos exemplos de instituições econômicas semelhantes ao jogo do ditador, no qual não há opção de dizer não. É o caso das ditaduras políticas remanescentes na atualidade, como a República Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte), e da escravidão tal como existiu nos Estados Unidos até o fim da Guerra Civil Americana em 1865. Organizações criminosas envolvidas com o tráfico de drogas e de pessoas seriam um exemplo moderno, em que o poder pode assumir a forma de coação física ou de ameaças de violência.
Nas economias capitalistas de sociedades democráticas, as instituições existem para proteger as pessoas de violência e coação, e para garantir que a maioria das interações econômicas ocorram voluntariamente. Mais adiante neste capítulo, estudaremos o resultado de uma interação envolvendo coação e como ele muda com o poder de dizer não.
5.2 Avaliando instituições e resultados: o critério de Pareto
Quer sejam pescadores buscando ganhar a vida sem esgotar as populações de peixes, agricultores fazendo a manutenção dos canais de um sistema de irrigação ou duas pessoas dividindo um bolo, queremos ser capazes de descrever e avaliar o resultado de uma interação: o resultado observado é melhor ou pior do que outros resultados potenciais? O primeiro objetivo envolve fatos e o segundo valores.
- alocação
- Descrição de quem faz o quê, as consequências de suas ações e quem obtém o quê como resultado.
Chamamos o resultado de uma interação econômica de alocação.
Por exemplo, no jogo do ultimato, a alocação descreve a divisão do bolo proposta pelo Proponente, se foi aceita ou rejeitada, e o payoff resultante para os dois jogadores.
O critério de Pareto
De acordo com o critério de Pareto, a alocação A domina a alocação B se ao menos uma das partes estiver melhor com A do que com B, e nenhuma estiver pior.
Dizemos que A Pareto domina B.
- dominância de Pareto
- A alocação A Pareto domina a alocação B se ao menos uma das partes estiver melhor com A do que com B, e nenhuma estiver pior. Ver também: eficiência de Pareto
- critério de Pareto
- De acordo com o critério de Pareto, um atributo desejável de uma alocação é que seja Pareto-eficiente. Ver também: dominância de Pareto
Suponha agora que queremos comparar duas alocações possíveis, A e B, que podem resultar de uma interação econômica. Podemos dizer qual é a melhor? Imagine que descobrimos que todos os envolvidos na interação preferem a alocação A. Nesse caso, a maioria das pessoas concordaria que A é uma alocação melhor do que B. Esse critério para avaliar entre A e B é chamado de critério de Pareto, em homenagem ao economista e sociólogo italiano Vilfredo Pareto.
Observe que, quando dizemos que uma alocação deixa alguém “melhor”, queremos dizer que esta é a alocação que a pessoa prefere, o que não necessariamente significa que é a que lhe traz mais dinheiro.
Grandes economistas Vilfredo Pareto
Vilfredo Pareto (1848–1923), economista e sociólogo italiano que se formou engenheiro com uma pesquisa sobre o conceito de equilíbrio na física, é lembrado principalmente pelo conceito de eficiência que leva seu nome. Pareto queria que a economia e a sociologia fossem ciências baseadas em fatos, semelhantes às ciências físicas que estudara na juventude.
Suas pesquisas empíricas o levaram a questionar a ideia de que a distribuição de riqueza se assemelha à famosa curva normal, cuja forma de sino implica em poucos ricos e poucos pobres nas extremidades da distribuição, e uma grande classe média ao centro. No seu lugar, propôs o que viria a ser chamado de princípio de Pareto, segundo o qual, nas mais diversas épocas e tipos de economia, havia alguns poucos indivíduos ricos e muitas pessoas pobres.
Sua regra do 80–20, derivada do princípio de Pareto, afirma que os 20% mais ricos da população geralmente detêm 80% da riqueza. Se Pareto vivesse nos Estados Unidos em 2015, teria que revisar para 90% o percentual de riqueza nas mãos dos 20% mais ricos, o que sugere que sua lei pode não ser tão universal como ele imaginava.
Na visão de Pareto, o jogo econômico envolvia apostas altas, com grandes vencedores e grandes perdedores. Não é surpreende então que ele tenha exortado os economistas a estudar conflitos na distribuição de bens: Pareto pensava que o tempo e os recursos dedicados a esses conflitos eram parte do que deveria ser o objeto de estudo da ciência econômica.2 Em seu livro mais famoso, Manual de Economia Política (1906), Pareto escreveu: “Os esforços dos homens são utilizados de duas formas diferentes: são destinados à produção ou transformação de bens econômicos, ou então à apropriação de bens produzidos por outros”.
A Figura 5.1 compara as quatro alocações do jogo de controle de pragas do Capítulo 4 segundo o critério de Pareto (usando um método semelhante à comparação de tecnologias feita no Capítulo 2). Assumimos que Anil e Bala são guiados por seus próprios interesses e, portanto, preferem alocações com maiores payoffs para si mesmos.
O retângulo azul com extremidade na alocação (E, E) mostra que (C, C) Pareto domina (E, E). Siga as etapas na Figura 5.1 para ver mais comparações.
Com esse exemplo, vemos que a utilidade do critério de Pareto para comparar alocações tem certos limites. Aqui, ele nos informa apenas que (C, C) é melhor do que (E, E).
- eficiente de Pareto
- Alocação com a propriedade de que não há uma alocação alternativa tecnicamente factível em que pelo menos uma pessoa estaria melhor e ninguém estaria pior.
O diagrama também mostra que três das quatro alocações não são Pareto dominadas por nenhuma outra. Uma alocação com essa propriedade é chamada de eficiente de Pareto.
Eficiência de Pareto
Uma alocação que não é Pareto dominada por nenhuma outra alocação é descrita como eficiente de Pareto.
- critério de Pareto
- De acordo com o critério de Pareto, um atributo desejável de uma alocação é que seja Pareto-eficiente. Ver também: dominância de Pareto
Se uma alocação é eficiente de Pareto, então não há uma alocação alternativa na qual pelo menos uma das partes estaria melhor e nenhuma estaria pior. O conceito de eficiência de Pareto é amplamente utilizado na economia, e soa muito bem, mas é preciso tomar cuidado:
- Muitas vezes, há mais de uma alocação Pareto-eficiente: no jogo de controle de pragas, há três.
- O critério de Pareto não nos diz qual das alocações Pareto-eficientes é melhor: não nos permite ordenar, da pior à melhor, as alocações (C, C), (C, E) e (E, C).
- Se uma alocação é eficiente de Pareto, isso não significa que devemos aprová-la: Anil usar o CIP e Bala, agindo como free-rider, usar o Exterminador é uma alocação eficiente de Pareto, mas nós (e Anil) podemos considerá-la injusta. A eficiência de Pareto não tem nada a ver com equidade.
- A alocação (E, C) é eficiente de Pareto e (E, E) não é (ou seja, é ineficiente de Pareto): no entanto, o critério de Pareto NÃO nos diz qual das duas é melhor.
Existem muitas alocações Pareto-eficientes que não avaliaríamos favoravelmente. Voltando à Figura 4.5, você pode observar que qualquer divisão do prêmio que Anil ganhou na loteria (incluindo não dar nada a Bala) seria eficiente de Pareto (escolha qualquer ponto na fronteira do conjunto factível de resultados e desenhe um retângulo com extremidade neste ponto; não há pontos factíveis acima e à direita). No entanto, algumas dessas divisões parecem muito injustas. Da mesma forma, no jogo do ultimato, uma alocação de um centavo para o Respondente e $99,99 para o Proponente é eficiente de Pareto, pois não há como deixar o Respondente melhor sem piorar a situação do Proponente.
O mesmo vale para problemas como a alocação de alimentos. Se algumas pessoas estão mais do que satisfeitas enquanto outras passam fome, poderíamos dizer, na linguagem cotidiana: “Esse não é um jeito sensato de prover nutrição. É claramente ineficiente”. Porém, eficiência de Pareto significa algo diferente. Uma distribuição bastante desigual de alimentos pode ser eficiente de Pareto, desde que toda comida seja consumida por alguém que aproveite pelo menos um pouco de sua parte.
Questão 5.1 Selecione a(s) resposta(s) correta(s)
Qual(is) das seguintes afirmações a respeito do resultado de uma interação econômica está(ão) correta(s)?
- Se a alocação é eficiente de Pareto, não há alocação que a Pareto domine: ou seja, não há nenhuma alocação em que alguém esteja melhor sem que outros fiquem pior.
- As alocações Pareto-eficientes podem ser bastante injustas, caso no qual é provável que pelo menos um participante não ficaria contente com o resultado.
- Pode haver mais de um resultado Pareto-eficiente. Vimos que três das quatro alocações no jogo de controle de pragas são eficientes de Pareto.
- É possível que um dos participantes esteja pior no resultado Pareto-eficiente, caso em que, pelo critério de Pareto, ele não estaria melhor. No jogo de controle de pragas, (E, C) é eficiente, mas não é melhor do que (E, E).
5.3 Avaliando instituições e resultados: equidade
Ainda que o critério de Pareto possa nos ajudar a avaliar alocações, também queremos usar outro critério: a equidade. Neste caso, nossa pergunta é: isso é justo?
Imagine que, no jogo do ultimato, o Proponente faça uma oferta de um centavo de um total de $100 para dividir. Como vimos no Capítulo 4, nos experimentos em todo o mundo, os Respondentes normalmente rejeitam ofertas como essa, aparentemente porque as consideram injustas. Muitos de nós reagiriam de forma semelhante se víssemos duas amigas, An e Bai, que, ao caminharem pela rua, avistam uma nota de cem. An a pega, oferece um centavo para sua amiga Bai e diz que quer ficar com o resto.
Ficaríamos indignados. No entanto, talvez mudássemos de ideia se descobríssemos que, apesar de ambas terem trabalhado muito a vida toda, An acabara de perder seu emprego e não tinha onde morar, enquanto Bai estava numa situação confortável. Neste caso, permitir que An ficasse com $99,99 poderia parecer justo. Assim, podemos aplicar um padrão diferente de justiça a um resultado quando conhecemos todos os fatos.
Poderíamos aplicar um padrão de equidade não apenas ao resultado do jogo, mas também às regras do jogo. Imagine que An tivesse proposto uma divisão igualitária, alocando $50 para Bai. “Bom para An”, diria você, “este parece ser um resultado justo”. Porém se isso tivesse ocorrido porque Bai pegou uma arma e ameaçou atirar em An se ela não a oferecesse uma divisão equitativa, provavelmente consideraríamos o resultado injusto.
- avaliações substantivas de justiça
- Avaliações baseadas nas características da alocação em si, não em como foi determinada. Ver também: avaliações procedimentais de justiça
- avaliações procedimentais de justiça
- Avaliação de um resultado baseada em como a alocação foi determinada, não nas características do resultado em si (por exemplo, sua desigualdade). Ver também: avaliações substantivas de justiça
Este exemplo apresenta um aspecto básico sobre como avaliamos o que é justo. Alocações podem ser consideradas injustas de acordo com:
- Quão desiguais são: medindo desigualdade em termos de renda, por exemplo, ou de bem-estar subjetivo. Estas são avaliações substantivas de justiça.
- O modo como vieram a ocorrer por exemplo, se por força ou por competição em igualdade de condições. Estas são avaliações procedimentais de justiça.
Avaliações substantivas e procedimentais
Para fazer uma avaliação substantiva sobre justiça, tudo o que você precisa conhecer é a alocação em si. Contudo, para avaliações procedimentais, precisamos conhecer também as regras do jogo e outros fatores que explicam por que essa alocação ocorreu.
Obviamente, duas pessoas realizando avaliações substantivas de justiça sobre uma mesma situação não precisam estar de acordo. Podem discordar, por exemplo, a respeito de avaliar a justiça em termos de renda ou de felicidade. Se medirmos a justiça usando a felicidade como critério, uma pessoa com uma séria deficiência física ou mental pode precisar de muito mais renda do que uma pessoa sem deficiência para estar igualmente satisfeita com a sua vida.3
Avaliações substantivas
São baseadas na desigualdade em algum aspecto da alocação, tais como:
- Renda: a recompensa em dinheiro (ou em outra medida equivalente) que determina a quantidade de bens e serviços ao alcance do indivíduo.
- Felicidade: medida por meio de indicadores de bem-estar subjetivo, como os abordados no Capítulo 1.
- Liberdade: até que ponto se pode fazer (ou ser) o que se escolhe sem limites impostos pela sociedade.
Exercício 5.1 Justiça substantiva
Considere a sociedade em que você vive ou outra sociedade com a qual está familiarizado.
- Para tornar a sociedade mais justa, você iria querer mais igualdade de renda, de felicidade ou de liberdade? Por quê? Haveria trade-off entre esses aspectos?
- Existem outras coisas que deveriam ser mais equitativas para que esta sociedade se tornasse mais justa?
Avaliações procedimentais
As regras do jogo que levaram à alocação podem ser avaliadas de acordo com aspectos como:
- Troca voluntária de propriedade privada adquirida por meios legítimos: as ações que levaram à alocação foram escolhidas livremente pelos indivíduos envolvidos? Por exemplo, cada pessoa comprou ou vendeu coisas que foram adquiridas por herança, compra ou pelo próprio trabalho? Ou por força ou algum tipo de fraude?
- Igualdade de oportunidades para obter vantagens econômicas: as pessoas tiveram oportunidades iguais para adquirir uma parcela significativa do total a ser dividido, ou estavam sujeitas a algum tipo de discriminação ou a outra desvantagem devido à sua raça ou cor, preferência sexual, gênero ou quem eram seus pais?
- Mérito: as regras do jogo que determinaram a alocação levam em conta o quanto um indivíduo se esforçou ou respeitou outras normas sociais?
Exercício 5.2 Justiça procedimental
Considere a sociedade em que você vive ou outra sociedade com a qual está familiarizado. De acordo com os critérios de avaliação procedimental listados acima, quão justa é esta sociedade?
Podemos usar estes tipos de critério para avaliar um resultado no jogo do ultimato. As regras experimentais do jogo serão consideradas processualmente justas pela maioria das pessoas sempre que:
- Os Proponentes são escolhidos de forma aleatória.
- Os jogadores jogam anonimamente.
- Não há como ocorrer discriminação.
- Todas as ações são voluntárias. O Respondente pode se recusar a aceitar a oferta, e o Proponente normalmente tem liberdade para propor qualquer quantia.
As avaliações substantivas avaliam a alocação em si: como o bolo é dividido. Com base no comportamento dos participantes nos experimentos, sabemos que muitas pessoas avaliariam como injusta uma alocação na qual o Proponente recebe 90% do bolo.
Avaliando a justiça
Na economia real, as regras do jogo estão muito longe dos procedimentos justos do jogo do ultimato, e avaliações procedimentais de injustiça são muito importantes para muita gente, como veremos no Capítulo 19 (Desigualdade Econômica).
Os valores das pessoas sobre o que é justo são diferentes. Algumas, por exemplo, consideram que qualquer nível de desigualdade é justo desde que as regras do jogo sejam justas. Outras consideram uma alocação como injusta se algumas pessoas estão gravemente privadas de suas necessidades básicas enquanto outras consomem bens de luxo.
O filósofo americano John Rawls (1921–2002) elaborou uma maneira de esclarecer esses debates que, em alguns casos, pode nos ajudar a encontrar pontos em comum em questões sobre valores. Para executá-la, seguimos três passos:
- Adotamos o princípio de que a justiça se aplica a todos: por exemplo, se trocássemos as posições de An e Bai, de modo que Bai e não An tivesse pegado a nota de cem, ainda aplicaríamos exatamente o mesmo padrão de justiça para avaliar o resultado.
- Imagine um véu de ignorância: já que a justiça se aplica a todos, incluindo a nós mesmos, Rawls pede que nos imaginemos debaixo do que chamou de véu de ignorância, isto é, sem saber que posição ocuparíamos na sociedade que estamos considerando. Poderíamos ser homens ou mulheres, doentes ou saudáveis, ricos ou pobres (ou com pais ricos ou pobres), em um grupo étnico dominante ou minoritário, e assim por diante. No jogo da nota de cem encontrada na rua, não saberíamos se somos a pessoa que pega o dinheiro ou a que responde à oferta.
- Sob o véu de ignorância, podemos fazer uma avaliação: por exemplo, sobre a escolha de um conjunto de instituições — imaginando que teríamos igual probabilidade de ocupar qualquer uma das posições individuais da sociedade observada se fôssemos parte desta.
O véu de ignorância nos convida a nos colocar no lugar de outras pessoas, muito diferentes de nós mesmos, ao fazer uma avaliação sobre justiça. Desse modo, segundo Rawls, você seria capaz de avaliar as constituições, leis, formas de conceder e receber herança e outras instituições de uma sociedade como se fosse um observador externo e imparcial.
Exercício 5.3 Dividindo os lucros de uma parceria
Imagine que você e um sócio estão começando um negócio no qual os dois vendem um novo aplicativo para o público. Vocês estão decidindo como dividir os lucros e considera quatro alternativas. Os lucros podem ser divididos:
- em partes iguais
- proporcionalmente a quantos aplicativos cada um vender
- em proporção inversa à quantidade de renda de outras fontes que cada um tem (por exemplo, se um de vocês tem o dobro da renda do outro, os lucros poderiam ser divididos com um terço para o primeiro e dois terços para o segundo)
- proporcionalmente à quantidade de horas que cada um se dedicou a vender.
Ordene essas alternativas de acordo com a sua preferência e apresente argumentos com base nos conceitos de justiça apresentados nesta seção. Se a ordem depende de outros fatores a respeito desse projeto conjunto, diga que outros fatos você precisaria conhecer.
Nem a filosofia, nem a economia nem qualquer outra ciência podem eliminar discordâncias a respeito de questões de valor. Porém, a economia pode elucidar:
- Como as dimensões da injustiça podem estar relacionadas: por exemplo, como regras do jogo que dão vantagens especiais a um ou outro grupo podem afetar o nível de desigualdade.
- Os trade-offs entre as dimensões da justiça: por exemplo, é preciso comprometer a igualdade de renda se também queremos justiça como igualdade de oportunidade?
- Políticas públicas para lidar com preocupações sobre injustiça: e também se essas políticas comprometem outros objetivos.
5.4 Um modelo de escolha e conflito
No restante deste capítulo, vamos explorar algumas interações econômicas e avaliar as alocações resultantes. Assim como nos experimentos do Capítulo 4, veremos que tanto a cooperação quanto o conflito estão presentes. Como nos experimentos, e na história, constataremos que as regras são importantes.
Lembre-se do modelo do Capítulo 3, em que uma agricultora, Ângela, se dedica a produzir determinada cultura. Vamos desenvolver o modelo descrevendo uma sequência de cenários que envolvem dois personagens:
- Inicialmente, Ângela cultiva a terra por conta própria e fica com tudo o que produz.
- A seguir, introduzimos uma segunda pessoa: Bruno, que não cultiva suas terras, mas gostaria de parte da colheita.
- A princípio, Bruno pode forçar Ângela a trabalhar para ele. Para sobreviver, ela teria que fazer o que ele determina.
- Posteriormente, as regras mudam: o Estado de direito substitui a lei do mais forte. Bruno não pode mais coagir Ângela a trabalhar, mas é proprietário da terra e se ela quiser cultivá-la, deve concordar em, por exemplo, pagar-lhe parte da colheita.
- Com o tempo, as regras do jogo mudam novamente a favor de Ângela: ela e seus colegas agricultores conseguem o direito ao voto e uma lei que aumenta o direito de Ângela à colheita é aprovada.
Para cada um desses passos, analisaremos as mudanças em termos de eficiência de Pareto e de distribuição de renda entre Ângela e Bruno. Lembre-se que:
- Podemos determinar objetivamente se um resultado é eficiente de Pareto ou não.
- Contudo, determinar se o resultado é justo depende da sua análise do problema, utilizando os conceitos de justiça substantiva e procedimental.
- taxa marginal de transformação (TMT)
- Quantidade de um bem que deve ser sacrificada para adquirir uma unidade adicional de outro bem. Em qualquer ponto, é a inclinação da fronteira de possibilidades. Veja também: taxa marginal de substituição.
Assim como antes, a colheita de Ângela depende das suas horas de trabalho, de acordo com sua função de produção. Ela cultiva a terra e desfruta do resto do dia como tempo livre. No Capítulo 3, Ângela consumia os cereais produzidos por essa atividade. Lembre-se que a inclinação da fronteira de possibilidades é a taxa marginal de transformação (TMT) do tempo livre em cereais.
- taxa marginal de substituição (TMS)
- Trata-se do trade-off que uma pessoa está disposta a enfrentar quando deve escolher entre dois bens. Em qualquer ponto, essa é a inclinação da curva de indiferença. Veja também: taxa marginal de transformação.
Ângela valoriza tanto os cereais quanto o tempo livre. Mais uma vez, representamos suas preferências como curvas de indiferença, mostrando as combinações de cereais e tempo livre a que Ângela valoriza igualmente. Lembre-se que a inclinação da curva de indiferença é chamada de taxa marginal de substituição (TMS) entre cereais e tempo livre.
Ângela cultiva a terra por conta própria
A Figura 5.2 mostra as curvas de indiferença de Ângela e sua fronteira de possibilidades. Quanto mais inclinada é a curva de indiferença, mais Ângela valoriza o tempo livre em relação aos cereais. Você pode observar que, quanto mais tempo livre Ângela tem (ao se deslocar para a direita), mais plana a curva fica: ou seja, ela dá menos valor ao tempo livre.
Neste capítulo, adotamos um pressuposto específico (chamado quase-linearidade) sobre as preferências de Ângela que se reflete na forma das suas curvas de indiferença. À medida que obtém mais cereal, sua TMS não muda. Assim, ao avançarmos para cima ao longo da linha vertical em 16 horas de tempo livre, as curvas de indiferença mantém a mesma inclinação: uma maior quantidade de cereal não altera a valoração que Ângela faz a respeito do tempo livre em relação ao cereal.
Por que isso ocorre? Talvez Ângela não coma tudo, mas venda uma parte e use o que ganha com as vendas para comprar outras coisas de que precisa. Essa é apenas uma simplificação (chamada quase-linearidade) que torna nosso modelo mais fácil de entender. Lembre-se: ao desenhar as curvas de indiferença do modelo neste capítulo, simplesmente desloque-as para cima e para baixo, mantendo a TMS constante para determinada quantidade de tempo livre.
Leibniz: Preferências quase-lineares
Ângela é livre para escolher suas horas diárias de trabalho e produzir a combinação de tempo livre e cereais que preferir. Siga as etapas da Figura 5.2 para determinar a alocação final.
A Figura 5.2 mostra que o melhor que Ângela pode fazer, dados os limites determinados pela fronteira de possibilidades, é trabalhar 8 horas. Isso lhe deixa com 16 horas de tempo livre e com produção e consumo de 9 alqueires de cereal. Este é o número de horas de trabalho no qual a taxa marginal de substituição é igual à taxa marginal de transformação. Ângela não tem como fazer melhor do que isso! (Se você não tem certeza do porquê, volte ao Capítulo 3 e confira.)
Leibniz: A escolha de horas de trabalho de Ângela
Surge um novo personagem
Agora Ângela passa a ter companhia. A outra pessoa se chama Bruno: ele não é um agricultor, mas reivindicará parte da colheita de Ângela. Vamos estudar diferentes regras do jogo que explicam quanto Ângela produz e como esta produção se divide entre ela e Bruno. Por exemplo, em um cenário, Bruno é proprietário da terra e Ângela paga parte dos cereais a ele como renda para usar a terra.
A Figura 5.3 mostra a fronteira de possibilidades combinada de Ângela e Bruno. A fronteira indica quantos alqueires de cereais Ângela pode produzir dadas as horas de tempo livre que escolhe. Por exemplo, com 12 horas de tempo livre e 12 horas de trabalho, Ângela produz 10,5 alqueires de cereais. Um resultado possível da interação entre Ângela e Bruno é 5,25 alqueires irem para Bruno e Ângela permanecer com os outros 5,25 alqueires para consumo próprio.
Siga os passos da Figura 5.3 para descobrir como cada alocação possível está representada no diagrama, mostrando quanto Ângela trabalhou e quanto cereal, respectivamente, ela e Bruno receberam.
Quais alocações têm maior probabilidade de ocorrer? Nem todas são sequer possíveis. Por exemplo, no ponto H, Ângela trabalha 12 horas por dia e não recebe nada (Bruno leva toda a colheita). Nesse caso, Ângela não sobreviveria. De todas as alocações que são pelo menos possíveis, a que de fato ocorrerá depende das regras do jogo.
Exercício 5.4 Usando curvas de indiferença
Na Figura 5.3, o ponto F mostra uma alocação na qual Ângela trabalha mais e recebe menos do que no ponto E, enquanto o ponto G mostra o caso em que ela trabalha mais e recebe mais.
Desenhando as curvas de indiferença de Ângela, determine o que você pode afirmar sobre as preferências de Ângela ao escolher entre E, F e G, e como isso depende da inclinação das curvas.
Questão 5.2 Selecione a(s) resposta(s) correta(s)
A Figura 5.3 mostra a fronteira de possibilidades conjunta de Ângela e Bruno e quatro alocações que poderiam resultar de uma interação entre eles.
Com base na figura, podemos concluir que:
- As curvas de indiferença de Ângela são negativamente inclinadas. Se a curva de indiferença que passa por G fosse suficientemente plana, todos os outros três pontos ficariam abaixo da curva.
- Seja qual for a inclinação de suas curvas de indiferença, Ângela iria preferir E a F, pois lhe proporciona mais cereais e mais tempo livre.
- Bruno recebe uma quantidade de cereais igual à distância vertical da alocação à fronteira de possibilidades. Assim, G é a pior das quatro alocações para ele.
- Ângela poderia ser indiferente entre G e E: uma das suas curvas de indiferença poderia atravessar ambos os pontos.
5.5 Alocações tecnicamente viáveis
Inicialmente, Ângela poderia consumir (ou vender) tudo o que produzia. Agora Bruno chegou, e ele tem uma arma. Bruno tem o poder de implementar qualquer alocação que desejar. Ele é ainda mais poderoso do que o ditador no jogo do ditador (aquele em que o Proponente determina como o bolo será dividido). Por quê? Porque Bruno pode determinar o tamanho do bolo, e não apenas como dividi-lo.
Ao contrário dos participantes do experimento do Capítulo 4, neste modelo, Bruno e Ângela são inteiramente guiados pelos próprios interesses. Bruno quer apenas maximizar a quantidade de cereais que obtém. Ângela só se importa com seu tempo livre e os cereais que lhe cabem (como descrevem suas curvas de indiferença).
Agora vamos adotar outro pressuposto importante. Se Ângela não cultiva a terra, Bruno não recebe nada (não há outros agricultores a quem ele poderia explorar). Isso significa que a opção de reserva de Bruno (o que ele recebe se Ângela não trabalhar para ele) é zero. Como resultado, Bruno pensa no futuro: ele não receberá muito cereal se Ângela morrer. A alocação estabelecida deve mantê-la viva.
- tecnicamente factível
- Alocação dentro dos limites estabelecidos pela tecnologia e pela biologia.
Primeiro, vamos definir um conjunto de combinações tecnicamente viáveis das horas de trabalho de Ângela e de sua quantidade de cereais recebida, ou seja: todas as combinações possíveis dentro dos limites da tecnologia (a função de produção) e da biologia (Ângela deve receber nutrição suficiente para trabalhar e sobreviver).
- biologicamente factível
- Uma alocação que é capaz de manter a sobrevivência dos envolvidos é biologicamente factível.
A Figura 5.4 mostra como encontrar o conjunto tecnicamente factível. Já sabemos que a função de produção determina a fronteira de possibilidades. Essa é o limite tecnológico da quantidade total consumida por Bruno e Ângela, a qual, por sua vez, depende do número de horas que Ângela trabalha. A restrição de sobrevivência biológica de Ângela mostra a quantidade mínima de cereal que ela precisa para cada quantidade de trabalho que realiza; pontos abaixo dessa linha a deixariam tão subnutrida ou cansada que não conseguiria sobreviver. Essa restrição mostra o que é biologicamente factível. Observe que se Ângela gasta mais energia trabalhando, precisa de mais comida; é por isso que, à medida que suas horas de trabalho aumentam, a curva ascende da direita para a esquerda a partir do ponto Z. A inclinação da restrição biológica de sobrevivência é a taxa marginal de substituição entre tempo livre e cereal garantindo a sobrevivência de Ângela.
O fato de que a sobrevivência de Ângela possa estar em perigo não é um exemplo hipotético. Durante a Revolução Industrial, a expectativa de vida ao nascer caiu para 25 anos em Liverpool, no Reino Unido: ligeiramente maior que metade do que é hoje nos países mais pobres do mundo. Atualmente, em muitas partes do mundo, a capacidade de agricultores e trabalhadores realizarem seu trabalho é limitada pela sua ingestão calórica.
Observe que há uma quantidade máxima de trabalho que mal permitiria que Ângela sobrevivesse (devido às calorias que consome enquanto trabalha). Como vimos no Capítulo 2, ao longo de toda a história da humanidade, as pessoas ultrapassaram o limite de sobrevivência quando a população cresceu mais do que o suprimento de alimentos. Essa é a lógica da armadilha da população malthusiana. A produtividade do trabalho impunha um limite ao tamanho que a população podia alcançar.
Exercício 5.5 Mudando as condições de produção
Usando a Figura 5.4, explique como você representaria os efeitos de cada um dos seguintes eventos:
- melhorar as condições de cultivo, como nível de chuvas mais adequado
- Ângela passar a ter acesso a metade da terra que possuía anteriormente
- disponibilizar uma enxada melhor para Ângela, tornando o trabalho agrícola mais fácil fisicamente.
No caso de Ângela, não é apenas a produtividade limitada do seu trabalho que poderia colocar sua sobrevivência em risco, mas também o quanto Bruno toma para si do que ela produz. Se Ângela pudesse consumir tudo o que produz (a altura da fronteira de possibilidades) e escolher suas horas de trabalho, sua sobrevivência não estaria em risco, pois a restrição de sobrevivência biológica está abaixo da fronteira de possibilidades para uma ampla diversidade de horas de trabalho. A questão da viabilidade biológica surge devido às reivindicações de Bruno ao que ela produz.
Na Figura 5.4, os limites das soluções factíveis para o problema da alocação são formados pela fronteira de possibilidades e pela restrição de sobrevivência biológica. Essa área sombreada em forma de lente fornece os resultados tecnicamente factíveis. Agora podemos perguntar o que acontecerá de fato: qual alocação vai ocorrer, e como isso depende das instituições que governam a interação entre Bruno e Ângela?
Questão 5.3 Selecione a(s) resposta(s) correta(s)
A Figura 5.4 mostra a fronteira de possibilidades de Ângela e Bruno e a restrição de sobrevivência biológica de Ângela.
Com base nessa figura, qual(is) das afirmações seguintes está(ão) correta(s)?
- Com 24 horas de trabalho (ou 0 horas de tempo livre), a restrição de sobrevivência biológica de Ângela está acima da fronteira de possibilidades. Isso significa que, nesse ponto, ela não consegue produzir cereais o suficiente para sobreviver.
- Ângela não produz nenhum cereal se não trabalhar. Isso não é tecnicamente factível, pois ela precisa de 2,5 alqueires de cereal para sobreviver.
- Uma tecnologia que incrementasse a produção de cereais aumentaria a quantidade de cereal que poderia ser produzida para qualquer número de horas de trabalho, deslocando a fronteira de possibilidades para cima, expandindo, assim, o conjunto tecnicamente viável.
- Se Ângela não precisasse de tanto cereal para sobreviver, a restrição de sobrevivência biológica seria menor, tornando maior o conjunto tecnicamente factível.
5.6 Alocações impostas pela força
Com o auxílio de sua arma, Bruno pode escolher qualquer ponto no conjunto tecnicamente factível de alocações, a área em forma de lente. Mas qual ele vai escolher?
Seu raciocínio é o seguinte:
- Bruno
- Para qualquer número de horas que eu mandar Ângela trabalhar, ela irá produzir a quantidade de cereais mostrada pela fronteira de possibilidades. No entanto, para cada quantidade de trabalho, terei de dar a ela, no mínimo, a quantidade de cereal mostrada pela restrição de sobrevivência biológica para poder continuar a explorá-la. Minha parcela é a diferença entre o que ela produz e o que dou a ela. Logo, preciso descobrir o número de horas de trabalho para o qual a distância vertical entre a fronteira de possibilidades e a restrição de sobrevivência biológica (Figura 5.5) é maior.
- renda econômica
- Pagamento ou outro benefício recebido acima ou além do que o indivíduo receberia ao optar por sua segunda melhor alternativa (ou opção de reserva). Veja também: opção de reserva.
A quantidade que Bruno obterá se implementar essa estratégia é a sua renda econômica, ou seja, a quantidade que obtém em comparação ao que receberia se Ângela não fosse sua escrava (a qual, nesse modelo, definimos como zero).
Bruno primeiro considera deixar que Ângela continue trabalhando 8 horas por dia e produzindo 9 alqueires, tal como ela fazia quando tinha livre acesso à terra. Para trabalhar por 8 horas, ela precisa de 3,5 alqueires de cereal para sobreviver. Assim, Bruno poderia se apropriar de 5,5 alqueires sem colocar em risco suas oportunidades futuras de se beneficiar do trabalho de Ângela.
Bruno está estudando a Figura 5.5 e pede a sua ajuda. Você notou que, com 8 horas de trabalho, a TMS da restrição de sobrevivência é menor que a TMT:
- Você
- Bruno, tem algo errado com o seu plano. Se você forçar Ângela a trabalhar um pouco mais, não terá que dar a ela uma quantidade muito maior de cereal para que ela tenha energia, já que a restrição de sobrevivência biológica é relativamente plana em 8 horas de trabalho. A fronteira de possibilidades, no entanto, é bem inclinada, então Ângela produziria muito mais se você impusesse mais horas de trabalho.
Você demonstra seu argumento a ele utilizando a análise na Figura 5.5, que indica que a distância vertical entre a fronteira de possibilidades e a restrição de sobrevivência biológica é máxima quando Ângela trabalha 11 horas. Se Bruno mandá-la trabalhar 11 horas, Ângela produz 10 alqueires e Bruno toma 6 para si. Podemos usar a Figura 5.5 para descobrir quantos alqueires de cereal Bruno consegue obter para qualquer alocação tecnicamente factível.
O painel inferior na última etapa da Figura 5.5 mostra como a quantidade que Bruno pode tomar varia com o tempo livre de Ângela. O gráfico tem formato côncavo e atinge o ponto máximo em 13 horas de tempo livre e 11 horas de trabalho. Bruno maximiza sua quantidade de cereais na alocação B, ao exigir que Ângela trabalhe 11 horas.
Observe como as inclinações da fronteira de possibilidades e da restrição de sobrevivência (a TMT e a TMS) nos ajudam a encontrar o número de horas para o qual Bruno obtém a quantidade máxima de cereais. À direita das 13 horas de tempo livre (isto é, se Ângela trabalha menos de 11 horas), a restrição de sobrevivência biológica é mais plana do que a fronteira de possibilidades (TMS < TMT). Isso significa que trabalhar mais horas (deslocar-se para a esquerda) produziria mais cereal do que o necessário para que Ângela trabalhe mais tempo. À esquerda das 13 horas de tempo livre (Ângela trabalha mais que 11 horas), o contrário é verdadeiro: TMS > TMT. A renda econômica de Bruno é maior para as horas de trabalho em que as inclinações das duas fronteiras são iguais.
Ou seja:
Questão 5.4 Selecione a(s) resposta(s) correta(s)
A Figura 5.5 mostra a fronteira de possibilidades de Ângela e Bruno e a restrição de sobrevivência biológica de Ângela.
Se Bruno puder impor a alocação:
- No ponto tecnicamente factível em que Ângela produz o máximo de cereal, ela precisa de toda a produção para sobreviver, então não sobraria nada para Bruno.
- A distância entre a fronteira de possibilidades e a restrição de sobrevivência de Ângela (isto é, a parcela de Bruno) é maximizada onde TMS = TMT.
- Com 8 horas de trabalho (16 horas de tempo livre), a fronteira de possibilidades é mais inclinada do que a restrição de sobrevivência biológica. Logo, TMT > TMS.
- Bruno de fato escolheria 13 horas de tempo livre para Ângela. Porém, neste caso, o máximo que pode reivindicar sem deixar Ângela incapaz de trabalhar é 6 alqueires de cereais: a distância vertical entre a fronteira de possibilidades e a restrição de sobrevivência.
Novas instituições: a lei e propriedade privada
- propriedade privada
- Algo é uma propriedade privada se a pessoa que a possui tem o direito de excluir outros de utilizá-la, de se beneficiar do seu uso e de compartilhá-la com outras pessoas.
A interação econômica descrita nesta seção ocorre em um ambiente no qual Bruno tem o poder de escravizar Ângela. Se passarmos de um cenário de coação para um no qual há um sistema legal que proíbe a escravidão e protege a propriedade privada e os direitos de trabalhadores e proprietários de terra, espera-se que o resultado da interação se altere.
- poder
- Capacidade de fazer (e de obter) as coisas que se deseja em oposição às intenções dos outros, normalmente ao impor ou ameaçar impor sanções.
No Capítulo 1, definimos a propriedade privada como o direito a usar e a excluir outros do uso de algo, e o direito a vendê-lo (ou a transferir esses direitos a terceiros). De agora em diante, vamos supor que Bruno seja o proprietário da terra e, se quiser, pode excluir Ângela do seu uso. A quantidade de cereal que ele obtém em decorrência da propriedade privada da terra dependerá da extensão do seu poder sobre Ângela nesta nova situação.
- ganhos de troca
- Benefícios que cada parte obtém em uma transação em comparação a como teriam se saído sem a troca. Também chamado de: ganhos de comércio. Ver também: renda econômica.
Quando participam voluntariamente de uma interação, as pessoas o fazem porque esperam que o resultado seja melhor do que a sua opção de reserva (sua melhor alternativa subsequente). Em outras palavras, elas o fazem para obter rendas econômicas. Às vezes, as rendas econômicas também são chamadas de ganhos de troca, pois representam quanto uma pessoa ganha ao participar da troca em comparação a não participar.
- excedente conjunto
- Soma das rendas econômicas de todos os envolvidos em uma interação. Também conhecido como: ganho totais de troca ou de comércio.
A soma das rendas econômicas é chamada de excedente (ou, às vezes, excedente conjunto, para enfatizar que inclui todas as rendas). A quantidade de renda que cada um irá obter — e como o superávit será dividido — depende de seu respectivo poder de barganha. E este, como sabemos, depende das instituições que regem a interação.
No exemplo acima, Ângela era forçada a participar e Bruno escolhia suas horas de trabalho para maximizar sua própria renda econômica. A seguir, analisaremos a situação em que ela pode simplesmente dizer não. Ângela não é mais uma escrava, mas Bruno ainda tem o poder de fazer uma oferta “pegar ou largar”, assim como o Proponente no jogo do ultimato.
5.7 Alocações economicamente viáveis e o excedente
Imagine que voltamos a ver como estão Ângela e Bruno e imediatamente percebemos que agora Bruno está de terno e gravata e não está armado. Ele explica que isso não é mais necessário porque agora há um governo, com leis administradas por tribunais e garantidas por profissionais, a polícia. Bruno agora é proprietário da terra e Ângela precisa de permissão para usar sua propriedade. Ele pode oferecer um contrato que a autoriza a cultivar a terra em troca de lhe entregar parte da colheita, mas a lei exige que a troca seja voluntária: Ângela pode recusar a oferta.
- Bruno
- Costumava ser uma questão de poder, mas agora Ângela e eu temos direitos de propriedade: eu sou proprietário da terra e ela é proprietária de seu trabalho. As novas regras do jogo significam que não posso mais forçá-la a trabalhar. Ela precisa concordar com a alocação que eu propuser.
- Você
- E se ela não concordar?
- Bruno
- Então não fechamos negócio. Se ela não cultivar minha terra, eu não terei nada e ela receberá do governo apenas o suficiente para sobreviver.
- Você
- Então você e Ângela têm a mesma quantidade de poder?
- Bruno
- Certamente que não! Sou eu quem pode fazer uma oferta “pegar ou largar”. Eu sou como o Proponente no jogo do ultimato, com a diferença de que isso não é um jogo. Se ela se recusar, vai passar fome.
- Você
- Mas se ela se recusar, você fica com zero?
- Bruno
- Isso nunca vai acontecer.
Como ele sabe disso? Bruno sabe que Ângela, ao contrário dos participantes dos experimentos do jogo do ultimato, se preocupa apenas com os próprios interesses (ela não pune uma oferta injusta). Se Bruno fizer uma oferta que é ligeiramente melhor do que não trabalhar nada e receber a alimentação mínima para sobreviver, Ângela vai aceitá-la.
Agora Bruno pergunta a você algo parecido com o que perguntou anteriormente:
- Bruno
- Nesse caso, qual deveria ser a minha oferta “pegar ou largar”?
Antes, você respondeu mostrando a restrição de sobrevivência biológica. Agora, a limitação não é a sobrevivência, mas o consentimento de Ângela. Você sabe que ela valoriza seu tempo livre, então quanto mais horas de trabalho Bruno pedir que ela trabalhe, mais precisará pagar.
- Você
- Por que você simplesmente não analisa a curva de indiferença de Ângela que atravessa o ponto no qual ela não trabalha e mal sobrevive? Isso lhe dirá quanto é o mínimo que pode pagar a ela por hora de tempo livre que ela sacrificaria para trabalhar para você.
- opção de reserva
- Dentre todas as opções de ação disponíveis para alguém, a opção de reserva é a melhor alternativa subsequente a uma determinada escolha. Também conhecida como: opção de recuo. Veja também: preço de reserva.
- curva de indiferença de reserva
- Curva que indica as alocações (combinações) que um indivíduo valoriza tanto quanto suas opções de reserva.
O ponto Z na Figura 5.6 é a alocação na qual Ângela não trabalha e recebe apenas a alimentação de subsistência (do governo ou talvez de sua família). Esta é a sua opção de reserva: se recusar a oferta de Bruno, essa opção é o seu plano B. Siga as etapas na Figura 5.6 para ver a curva de indiferença de reserva de Ângela: todas as alocações que, para ela, têm o mesmo valor que a opção de reserva. Abaixo ou à esquerda da curva, Ângela está pior do que na sua opção de reserva. Acima e à direita, está melhor.
O conjunto de pontos limitado pela curva de indiferença de reserva e pela fronteira de possibilidades é o conjunto de todas as alocações economicamente factíveis agora que Ângela precisa concordar com a proposta que Bruno fizer. Bruno agradece a você por lhe apresentar essa nova ferramenta, muito útil para calcular o máximo que pode obter de Ângela.
A restrição de sobrevivência biológica e a curva de indiferença de reserva têm um ponto em comum (Z): nesse ponto, Ângela não trabalha e recebe a alimentação de subsistência do governo. No mais, as duas curvas diferem. A curva de indiferença de reserva está uniformemente acima da restrição de sobrevivência biológica. O motivo, explica você a Bruno, é que, por mais que ela se esforce ao longo da restrição de sobrevivência, Ângela mal consegue sobreviver; e quanto mais trabalha, menos tempo livre tem, então mais infeliz fica. Por outro lado, ao longo da curva de indiferença de reserva, Ângela está tão bem quanto em sua opção de reserva. Isso significa que poder ter uma parcela maior dos cereais que produz compensa exatamente a perda de seu tempo livre.
Exercício 5.6 Viabilidade biológica e econômica
Usando a Figura 5.6:
- Explique por que um ponto da restrição de sobrevivência biológica se eleva (é necessário mais cereal) quando Ângela tem menos horas de tempo livre. Por que a curva também se torna mais inclinada quando ela trabalha mais?
- Explique por que o conjunto biologicamente factível não é igual ao conjunto economicamente factível.
- Explique (ao deslocar as curvas) o que acontece se um tipo de cereal mais nutritivo estiver disponível para Ângela cultivar e consumir.
Vemos que ambos, Ângela e Bruno, podem se beneficiar se chegarem a um acordo. A troca — Bruno permitir que ela use sua terra (isto é, não usar seu direito de propriedade para exclui-la) para então receber uma parte do que Ângela produz — possibilita que ambos fiquem em uma situação melhor do que se não houver acordo.
- Enquanto Bruno receber parte da colheita, estará melhor do que se não houver acordo.
- Enquanto Ângela obtiver uma parcela de cereal que, considerando suas horas de trabalho, a coloca numa situação melhor do que se optasse por sua opção de reserva, ela também se beneficiará.
O ganho potencial mútuo é o motivo pelo qual, para a troca ocorrer, não é preciso que uma arma seja apontada para a outra pessoa, mas pode ser motivada pelo desejo que ambos têm de melhorar sua situação.
- melhoria de Pareto
- Mudança que beneficia pelo menos uma pessoa sem deixar ninguém em situação pior. Ver também: dominância de Pareto.
Todas as alocações que representam ganhos mútuos estão incluídas no conjunto economicamente factível da Figura 5.6. Cada uma dessas alocações Pareto domina a alocação que ocorreria sem acordo. Em outras palavras, Bruno e Ângela poderiam produzir uma melhoria de Pareto.
Isso não significa que ambas as partes se beneficiarão igualmente. Se as instituições de fato derem a Bruno o poder de fazer uma oferta “pegar ou largar”, sujeita apenas ao consentimento de Ângela, ele pode capturar todo o excedente (menos a pequena parte necessária para que Ângela aceite o acordo). Bruno já sabe disso.
Depois que você lhe explicou a curva de indiferença de reserva, Bruno sabe qual alocação deseja. Ele maximiza a quantidade de cereal que pode receber no ponto mais alto da região em formato de lente, entre a curva de indiferença de reserva de Ângela e a fronteira de possibilidades. É neste ponto que a TMT na fronteira de possibilidades é igual à TMS na curva de indiferença. A Figura 5.7a mostra que essa alocação exige que Ângela trabalhe menos horas do que trabalharia sob coação.
Bruno gostaria então que Ângela trabalhasse 8 horas e lhe entregasse 4,5 alqueires de cereal (alocação D). Como ele pode implementar essa alocação? Tudo o que precisa fazer é oferecer um contrato “pegar ou largar” a Ângela, permitindo que ela cultive a terra em troca de 4,5 alqueires por dia (este é um contrato de parceria, no qual o proprietário permite que um agricultor use a terra em troca de parte da colheita). Se Ângela precisa pagar 4,5 alqueires (CD na Figura 5.7a), então ela escolherá produzir no ponto C, no qual trabalha 8 horas. Como você pode observar na figura, se Ângela produzisse em qualquer outro ponto na fronteira de possibilidades e então desse a Bruno 4,5 alqueires, sua utilidade seria menor, pois ela estaria abaixo da sua curva de indiferença de reserva. No entanto, ela pode obter sua utilidade de reserva ao trabalhar 8 horas, então aceitará o contrato.
Exercício 5.7 Por que Ângela trabalha 8 horas
A renda de Ângela é a quantidade de cereal que ela produz menos os alqueires que paga a Bruno para usar a terra.
- Utilizando a Figura 5.7a, suponha que Ângela trabalhe 11 horas. Após pagar pelo uso da terra, sua renda seria maior ou menor do que quando ela trabalha 8 horas? Suponha agora que, ao invés de 11, Ângela trabalhe 6 horas: como sua renda se compara a quando ela trabalha 8 horas?
- Com suas próprias palavras, explique por que ela escolherá trabalhar 8 horas.
Como Ângela está em sua curva de indiferença de reserva, apenas Bruno se beneficia desta troca, ao se apropriar de todo o excedente conjunto. Sua renda econômica (que é igual ao que Ângela lhe paga) é o excedente.
Lembre-se que, quando Ângela podia cultivar a terra por conta própria, ela escolheu a alocação C. Observe que ela escolhe o mesmo número de horas de trabalho quando precisa pagar pelo uso da terra. Por que isso acontece? Não importa o quanto tiver que pagar, Ângela escolherá as horas de trabalho com o objetivo de maximizar sua utilidade, de modo que irá produzir em um ponto na fronteira de possibilidades no qual a TMT é igual à sua TMS. E sabemos que suas preferências são tais que a sua TMS não muda com a quantidade de cereal que consome, então esta não será afetada pelo pagamento a Bruno. Isso significa que, se Ângela pode escolher quanto trabalha, trabalhará 8 horas independentemente de quantos alqueires paga pela terra (desde que obtenha pelo menos sua utilidade de reserva).
Leibniz: A escolha de horas de trabalho de Ângela quando ela paga pelo uso da terra
A Figura 5.7b mostra como o excedente (que é apropriado por Bruno) varia de acordo com as horas de Ângela. Você verá que o excedente diminui à medida que Ângela trabalha mais ou menos do que 8 horas: a curva tem formato côncavo, como a renda de Bruno no caso em que havia coação. No entanto, o ponto máximo é mais baixo no caso em que Bruno precisa que Ângela aceite a proposta.
Exercício 5.8 Pegar ou largar?
- Por que é Bruno e não Ângela quem tem o poder de fazer uma oferta “pegar ou largar”?
- Você consegue imaginar uma situação na qual o agricultor e não o proprietário das terras teria esse poder?
Questão 5.5 Selecione a(s) resposta(s) correta(s)
A Figura 5.6 mostra a fronteira de possibilidades de Ângela e Bruno, a restrição de sobrevivência biológica de Ângela e sua curva de indiferença de reserva.
Com base nessa figura, qual(is) das afirmações seguintes está(ão) correta(s)?
- O conjunto economicamente factível é a área entre a curva de indiferença de reserva e a fronteira de possibilidades. Esta área é menor do que o conjunto tecnicamente factível, que é a área entre a restrição de sobrevivência biológica e a fronteira de possibilidades.
- A curva de indiferença de reserva é mais inclinada do que a restrição de sobrevivência biológica: em outras palavras, a TMS é maior na primeira do que na segunda.
- Um ponto não pode ser economicamente factível se não for tecnicamente factível. A figura mostra que o conjunto economicamente factível está contido no conjunto tecnicamente factível.
- Quando a alimentação é de 2 alqueires, a opção de reserva de Ângela é Z = (24, 2). Se aumenta para 3 alqueires, sua opção de reserva é (24, 3), que está em uma curva de indiferença mais elevada, acima de todos os pontos da restrição de sobrevivência. Esta passa a ser a sua curva de indiferença de reserva.
Questão 5.6 Selecione a(s) resposta(s) correta(s)
A Figura 5.7a mostra a fronteira de possibilidades de Ângela e Bruno, a restrição de sobrevivência biológica de Ângela e sua curva de indiferença de reserva. B é o resultado sob coação, enquanto D é o resultado em uma troca voluntária quando Bruno faz uma oferta “pegar ou largar”.
Analisando esse gráfico, podemos concluir que:
- A opção de reserva de Bruno é não receber nada. Em uma troca voluntária, Bruno recebe todo o excedente: a quantidade que excede o que Ângela precisa para sobreviver ou para estar disposta a trabalhar. Portanto, esta é a sua renda econômica.
- A quantidade de cereais de Bruno é a distância AB sob coação, e CD em uma troca voluntária. Logo, ele está melhor quando há coação.
- Bruno oferece a Ângela apenas o mínimo para que ela esteja disposta a aceitar a alocação. Ela é indiferente entre D e sua opção de reserva, de modo que a sua renda é zero.
- Ângela terá mais horas de tempo livre em D, em uma troca voluntária, do que sob coação.
5.8 A curva de eficiência de Pareto e a distribuição do excedente
Ângela escolheu trabalhar 8 horas, produzindo 9 alqueires de cereal, tanto quando pagava pela terra como quando não pagava. Em ambos os casos, há um excedente de 4,5 alqueires: a diferença entre a quantidade de cereal produzida e a quantidade que daria a Ângela sua utilidade de reserva.
A diferença entre os dois casos é quem se apropria do excedente: quando Ângela precisava pagar a Bruno pelo uso da terra, ele recebia todo o excedente, mas quando podia cultivar a terra por conta própria, ela recebia todo o excedente. Ambas as alocações têm duas propriedades importantes:
- Todo o cereal produzido é dividido entre Ângela e Bruno.
- A TMT na fronteira de possibilidades é igual à TMS na curva de indiferença de Ângela.
Isso significa que as alocações são eficientes de Pareto.
Para entender o porquê, lembre-se que eficiência de Pareto significa que não há melhoria de Pareto possível: é impossível alterar a alocação de modo que a situação de uma das partes melhore sem prejudicar a outra.
A primeira propriedade é simples: significa que não é possível atingir uma melhoria de Pareto apenas mudando a quantidade de cereais que cada um consome. Se um consumir mais, o outro necessariamente teria que consumir menos. Por outro lado, se parte dos cereais produzidos não estiver sendo consumida, então consumi-la melhoraria a situação de um ou de ambos os indivíduos.
A segunda propriedade, TMS = TMT, significa que não é possível atingir uma melhoria de Pareto alterando as horas de trabalho de Ângela, nem, portanto, a quantidade de cereal produzida.
Se a TMS e a TMT não fossem iguais, seria possível melhorar a situação de ambos. Por exemplo, se TMT > TMS, Ângela poderia transformar uma hora do seu tempo em mais cereal do que o necessário para obter a mesma utilidade que antes, de modo que o cereal adicional poderia melhorar a situação de ambos. Porém, se TMT = TMS, então qualquer variação na quantidade de cereal produzida seria nada mais que exatamente o necessário para manter a utilidade de Ângela no mesmo nível, dada a mudança nas suas horas de trabalho.
A Figura 5.8 mostra que há muitas outras alocações eficientes de Pareto além dessas duas. O ponto C é o resultado quando Ângela é uma agricultora independente. Compare a análise na Figura 5.8 com a oferta “pegar ou largar” de Bruno e encontre as outras alocações eficientes de Pareto.
- curva de eficiência de Pareto
- Conjunto de todas as alocações eficientes de Pareto. Frequentemente chamada de curva de contrato, mesmo em interações sociais em que não há um contrato formal, motivo pelo qual evitamos o termo. Ver também: eficiente de Pareto.
- eficiente de Pareto
- Alocação com a propriedade de que não há uma alocação alternativa tecnicamente factível em que pelo menos uma pessoa estaria melhor e ninguém estaria pior.
Eficiência de Pareto e a curva de eficiência de Pareto
- Uma alocação Pareto-eficiente tem a propriedade de que não há uma alocação alternativa tecnicamente factível na qual pelo menos uma pessoa estaria melhor e ninguém estaria pior.
- O conjunto de todas essas alocações é a curva de eficiência de Pareto, também chamada de curva de contratos.
A Figura 5.8 mostra que, além das duas alocações Pareto-eficientes que observamos (C e D), cada ponto entre C e D representa uma alocação Pareto-eficiente. CD é chamada de curva de eficiência de Pareto: esta curva une todos os pontos do conjunto factível para os quais TMS = TMT. (Você também irá encontrá-la sob o nome de “curva de contratos”, mesmo em situações nas quais não há contrato, e é por isso que preferimos o termo mais descritivo “curva de eficiência de Pareto”.)
Leibniz: A curva de eficiência de Pareto
Em cada alocação da curva de eficiência de Pareto, Ângela trabalha 8 horas e há um excedente de 4,5 alqueires, mas a distribuição do excedente é diferente, indo do ponto D, no qual Ângela não recebe nada, ao ponto C, onde todo o excedente é seu. Na alocação hipotética G, ambos recebem uma renda econômica: a renda de Ângela é GD, a de Bruno, GC, e a soma das suas rendas é igual ao excedente.
Questão 5.7 Selecione a(s) resposta(s) correta(s)
A Figura 5.8 mostra a curva de eficiência de Pareto CD para a interação entre Ângela e Bruno.
Qual(is) das afirmações seguintes está(ão) correta(s)?
- Todos os pontos em CD são eficientes de Pareto, então nenhum deles é Pareto dominado. (Comparando C e D, vemos que Bruno prefere D e Ângela prefere C.)
- Por definição, a curva de eficiência de Pareto une todos os pontos economicamente factíveis nos quais TMS = TMT.
- Todos os pontos em CD são eficientes de Pareto. Não faz sentido dizer que um ponto em CD é mais eficiente do que outro.
- Todos os pontos em CD são eficientes de Pareto, mas Bruno e Ângela não são indiferentes. Alguns pontos (como C) são melhores para Ângela, enquanto outros (como D) são melhores para Bruno.
5.9 Política: dividindo o excedente
Bruno acha que as novas regras, segundo as quais ele deve fazer uma oferta que Ângela não recuse, não são assim tão ruins. Ângela também está melhor do que quando mal tinha o suficiente para sobreviver — mas ela gostaria de receber uma parte do excedente.
Ela e outros colegas agricultores fazem lobby em prol de uma nova lei que limita o tempo de trabalho a 4 horas ao dia, e exige que o pagamento total seja de pelo menos 4,5 alqueires. Eles ameaçam não trabalhar a menos que a lei seja aprovada.
- Bruno
- Ângela, você e seus colegas estão blefando.
- Ângela
- Não, não estamos: não estaríamos pior em nossa opção de reserva do que sob o seu contrato, trabalhando as horas e recebendo a pequena fração da colheita que você impõe a nós!
Ângela e seus colegas vencem e a nova lei limita a jornada de trabalho a 4 horas.
Qual foi o resultado, afinal?
Antes da lei de redução da jornada, Ângela trabalhava 8 horas e recebia 4,5 alqueires de cereais (o ponto D na Figura 5.9). A nova lei implementa a alocação na qual Ângela e seus colegas trabalham 4 horas, recebem 20 horas de tempo livre e o mesmo número de alqueires. Como têm a mesma quantidade de cereal e mais tempo livre, eles estão em uma situação melhor. A Figura 5.9 mostra que agora Ângela e os agricultores estão em uma curva de indiferença mais elevada.
A nova lei aumentou o poder de barganha de Ângela e deixou Bruno em uma situação pior que do que estava antes. Você pode verificar que Ângela está melhor em F do que em D. Além disso, ela também está melhor do que estaria com sua opção de reserva, o que significa que agora Ângela recebe uma renda econômica.
A renda de Ângela pode ser medida (em alqueires de cereais) como a distância vertical entre sua curva de indiferença de reserva (IC1 na Figura 5.9) e a curva de indiferença que ela pode atingir sob a nova legislação (IC2). Podemos pensar na renda econômica como:
- A quantidade máxima de cereal por ano a que Ângela renunciaria em troca de viver sob a nova lei, ao invés de na situação em que se encontrava antes da lei ser sancionada.
- Ou (como Ângela obviamente tem convicções políticas) a quantidade que estaria disposta a pagar para conseguir que a lei fosse sancionada, por exemplo, ao fazer lobby junto aos parlamentares ou ao contribuir para campanhas eleitorais.
Questão 5.8 Selecione a(s) resposta(s) correta(s)
Na Figura 5.9, D e F são os resultados antes e depois da introdução de uma nova lei limitando a jornada de trabalho de Ângela a 4 horas por dia e exigindo o pagamento mínimo de 4,5 alqueires. Com base nessas informações, qual(is) da(s) afirmações a seguir está(ão) correta(s)?
- Não é uma melhoria de Pareto, pois Bruno está pior (recebe menos cereal) em F do que em D.
- No resultado F, em que Ângela trabalha 4 horas, TMT > TMS (compare as inclinações da fronteira de possibilidades e da curva de indiferença). Então, este resultado não pode ser eficiente de Pareto. (Por exemplo, Bruno poderia estar melhor sem piorar a situação de Ângela se eles pudessem se mover para a esquerda ao longo de IC2).
- Em F, Ângela está acima da sua curva de indiferença de reserva e, portanto, recebe uma renda econômica. A opção de reserva de Bruno é não receber nada, então a quantidade de cereal que ele recebe em F representa sua renda econômica.
- Em D, Bruno obtinha renda equivalente a CD, enquanto Ângela não obtinha renda alguma. Em F, a renda dele é muito menor. A lei aumentou o poder de barganha de Ângela e reduziu o de Bruno.
5.10 Negociando uma divisão Pareto-eficiente do excedente
Ângela e seus amigos estão contentes com sua conquista. Ela pergunta sua opinião sobre a nova legislação.
- curva de eficiência de Pareto
- Conjunto de todas as alocações eficientes de Pareto. Frequentemente chamada de curva de contrato, mesmo em interações sociais em que não há um contrato formal, motivo pelo qual evitamos o termo. Ver também: eficiente de Pareto.
- Você
- Parabéns, mas essa política pública está longe de ser a melhor possível.
- Ângela
- Por quê?
- Você
- Porque você não está na curva de eficiência de Pareto! Sob sua nova lei, Bruno recebe 2 alqueires e não pode fazer você trabalhar mais de 4 horas. Logo, por que você não se oferece para continuar pagando 2 alqueires em troca dele permitir que você fique com tudo que produzir acima dessa quantidade? Assim você pode escolher quantas horas trabalhar.
As entrelinhas da lei permitem uma jornada de trabalho mais longa se ambas as partes concordarem, desde que a opção de reserva dos trabalhadores seja uma jornada de 4 horas caso não se chegue a um acordo.
- Você
- Agora redesenhe a Figura 5.9 e utilize os conceitos de excedente conjunto e curva de eficiência de Pareto exibidos na Figura 5.8 para mostrar a Ângela como ela poderia obter um acordo melhor.
- Você
- Observe a Figura 5.10. O excedente é máximo com 8 horas de trabalho. Quando você trabalha 4 horas, o excedente é menor e você paga a maior parte deste a Bruno. Se você aumentar o excedente, pode pagar-lhe a mesma quantidade e obter um excedente maior. Assim, sua situação melhora. Siga as etapas da Figura 5.10 para ver como isso funciona.
O deslocamento do ponto D (no qual Bruno tinha todo o poder de barganha e se apropriava de todos os ganhos da troca) para o ponto H, onde Ângela está em melhor situação, consiste em duas etapas distintas:
- De D para F, o resultado é imposto pela nova legislação. Definitivamente não foi mutuamente benéfico: Bruno perde porque a sua renda econômica em F é menor do que a renda factível máxima que ele obtinha em D. Ângela se beneficiou.
- Uma vez alcançado o resultado sob a nova legislação, há muitas possibilidades mutuamente benéficas a eles, dadas pelo segmento GH da curva de eficiência de Pareto. Por definição, existem possíveis alternativas mutuamente benéficas à alocação F, pois F não é eficiente de Pareto.
Bruno quer negociar. Ele não está contente com a proposta de Ângela em H.
- Bruno
- Não estou melhor sob esse novo plano do que estaria se simplesmente aceitasse a legislação que os agricultores aprovaram.
- Você
- Mas, Bruno, agora Ângela também tem poder de barganha. A legislação alterou sua opção de reserva: não é mais 24 horas de tempo livre com alimentação de subsistência. Agora, a opção de reserva dela é a alocação sob a nova legislação no ponto F. Sugiro que você faça uma contraproposta.
- Bruno
- Ângela, eu deixo você cultivar a terra por quantas horas quiser desde que me pague meio alqueire a mais do que em EF.
Eles apertam as mãos e chegam a um acordo.
Como Ângela é livre para escolher suas horas de trabalho, sujeita apenas a pagar o meio alqueire adicional a Bruno, ela trabalhará 8 horas, ponto em que TMT = TMS. Como esse acordo está entre G e H, é uma melhoria de Pareto em relação ao ponto F. Além disso, como está na curva Pareto-eficiente CD, sabemos que não há mais melhorias de Pareto possíveis. Isso vale para todas as outras alocações em GH: estas se diferenciam apenas na distribuição dos ganhos mútuos, com algumas favorecendo a Ângela e outras, a Bruno. Onde vão terminar de fato dependerá de seus respectivos poderes de barganha.
Questão 5.9 Selecione a(s) resposta(s) correta(s)
Na Figura 5.10, Ângela e Bruno estão na alocação F, na qual ela recebe 4.5 alqueires de cereal por 4 horas de trabalho.
Pela figura, podemos concluir que:
- Ao longo de EF, TMS < TMT. Assim, EF não é eficiente de Pareto, pois há outras alocações em que ambos estariam melhor.
- Na área GHF, Ângela está em uma curva de indiferença mais elevada do que IC2 e Bruno tem mais cereal do que em EF, então ambos estão em melhor situação.
- Os pontos em GD são eficientes de Pareto, mas abaixo de G, Ângela está em uma curva de indiferença menor do que em F, então estaria em pior situação.
- Os pontos em GH são todos eficientes de Pareto, mas Bruno e Ângela não seriam indiferentes entre eles. Bruno prefere pontos mais próximos de G, enquanto Ângela prefere pontos mais próximos de H.
5.11 Ângela e Bruno: a moral da história
As habilidades de cultivo de Ângela e a propriedade da terra de Bruno geraram uma oportunidade de ganhos mútuos com uma troca.
O mesmo ocorre quando as pessoas trocam diretamente ou quando compram e vendem bens por dinheiro. Suponha que você tem mais maçãs do que pode consumir, enquanto seu vizinho tem peras sobrando. As maçãs valem menos para você do que para o seu vizinho, e as peras valem mais para você. Assim, deve ser possível alcançar uma melhoria de Pareto trocando algumas maçãs por peras.
Quando pessoas com diferentes necessidades, propriedades e capacidades se encontram, há uma oportunidade de gerar ganhos para todas elas. É por isso que as pessoas se reúnem em mercados físicos e virtuais ou em navios piratas. Os ganhos mútuos são o bolo: o que chamamos de excedente.
As alocações que observamos ao longo da história são, em grande parte, resultado das instituições, incluindo direitos de propriedade e poder de barganha, presentes na economia de cada época. A Figura 5.11 resume o que aprendemos sobre a determinação dos resultados econômicos dos sucessivos cenários envolvendo Ângela e Bruno.
- A tecnologia e a biologia determinam se eles poderão se beneficiar mutuamente, e qual o conjunto tecnicamente factível de alocações (Seção 5.5). Se as terras de Bruno fossem tão improdutivas que o trabalho de Ângela não poderia produzir o suficiente para mantê-la viva, não haveria espaço para um acordo.
- Para que sejam economicamente factíveis, as alocações devem representar melhorias de Pareto em relação às opções de reserva das partes, o que pode depender das instituições (como a alimentação de subsistência fornecida a Ângela pelo governo (Seção 5.7) ou a legislação sobre jornada de trabalho (Seção 5.10)).
- O resultado de uma interação depende das preferências das pessoas (o que querem) e das instituições que determinam seu poder de barganha (capacidade de obtê-lo) e, logo, determinam como o excedente é distribuído (Seção 5.10).
Figura 5.11 Os determinantes fundamentais dos resultados econômicos.
A história de Ângela e Bruno nos ensina três lições sobre eficiência e equidade, ilustradas pela Figura 5.10, à qual voltaremos nos capítulos subsequentes.
- Quando uma pessoa ou grupo tem o poder de ditar a alocação, sujeito apenas a não deixar a outra parte pior do que na sua opção de reserva, a parte poderosa captura todo o excedente. Feito isso, não há como melhorar a situação de um sem prejudicar o outro (ponto D na figura). Então esta deve ser uma alocação eficiente de Pareto!
- Aqueles que consideram esse tratamento injusto muitas vezes têm algum poder para influenciar o resultado através da legislação ou de outros meios políticos, e o resultado pode ser uma distribuição mais justa aos seus olhos ou aos nossos, mas não é necessariamente eficiente de Pareto (ponto F). As sociedades podem enfrentar trade-offs entre resultados injustos que são Pareto-eficientes e resultados justos que são Pareto-ineficientes.
- Se temos instituições nas quais as pessoas podem, conjuntamente, deliberar, concordar e aplicar alocações alternativas, então pode ser possível evitar o trade-off e obter eficiência e equidade ao mesmo tempo, como aconteceu com Ângela e Bruno por meio de uma combinação de legislação e negociação (ponto H).
5.12 Medindo a desigualdade econômica
Em nossa análise da interação entre Ângela e Bruno, avaliamos as alocações em termos de eficiência de Pareto. Vimos que eles (ou ao menos um deles) podem melhorar sua situação se puderem negociar um movimento para passar de uma alocação Pareto-ineficiente para uma na curva de eficiência de Pareto.
Entretanto, o outro critério importante para avaliar uma alocação é a equidade. Sabemos que alocações Pareto-eficientes podem ser altamente desiguais. No caso de Ângela e Bruno, a desigualdade resultava diretamente das diferenças no poder de barganha, mas também de diferenças nas suas dotações; ou seja, no que cada um possuía antes da interação (sua riqueza inicial). Bruno era proprietário da terra, enquanto Ângela tinha apenas tempo e a capacidade de trabalhar. Por sua vez, diferenças nas dotações, assim como nas instituições, podem afetar o poder de barganha.
- curva de Lorenz
- Representação gráfica da desigualdade de alguma quantidade, como riqueza ou renda. Os indivíduos são classificados em ordem crescente de acordo com a quantidade desta grandeza, e então representa-se no gráfico a parcela acumulada do total e a parcela acumulada da população. Em caso de completa igualdade de renda, por exemplo, teríamos uma linha reta, com inclinação igual a 1. A medida da desigualdade consiste em quão abaixo desta curva de perfeita igualdade a curva de Lorenz se situa. Ver também: coeficiente de Gini.
É fácil avaliar a distribuição entre duas pessoas. Mas como avaliar desigualdades em grupos maiores ou mesmo em toda uma sociedade? Uma ferramenta útil para representar e comparar distribuições de renda ou de riqueza e para mostrar a dimensão do nível de desigualdade é a curva de Lorenz (inventada em 1905 pelo economista americano Max Lorenz (1876–1959) enquanto ainda era um estudante). Essa curva indica quanta disparidade de renda, ou de qualquer outra medida, há em toda a população.4
A curva de Lorenz mostra a população total no eixo horizontal, ordenando as pessoas da mais pobre à mais rica. Em qualquer ponto do eixo horizontal, a altura da curva indica a parcela da renda total recebida pela parcela de população acumulada até este dado ponto do eixo horizontal.
Para ver como isso funciona, imagine uma aldeia na qual há 10 proprietários de terra, cada um com 10 hectares, e outros 90 agricultores que cultivam a terra no sistema de parceria, mas não são seus proprietários (como Ângela). A curva de Lorenz é a linha azul na Figura 5.12. Ordenando a população em função da propriedade de terra, os primeiros 90% da população nada possuem, então a curva é plana. Os 10% restantes têm 10 hectares cada, então a “curva” se eleva, em linha reta, até atingir o ponto em que 100% das pessoas têm 100% das terras.
Figura 5.12 Curva de Lorenz da propriedade da riqueza.
Se, ao invés disso, cada membro da população possuísse um hectare de terra — perfeita igualdade em propriedade de terras — então a curva de Lorenz seria uma linha inclinada em 45º, indicando que os 10% “mais pobres” da população detêm 10% da terra e assim por diante (ainda que, neste caso, todos sejam igualmente pobres e igualmente ricos).
A curva de Lorenz nos permite observar o quanto uma distribuição se desvia dessa linha de perfeita igualdade. A Figura 5.13 exibe a distribuição de renda que teria resultado do sistema de divisão das recompensas descrito nos artigos do navio pirata Royal Rover, discutido na introdução deste capítulo. A curva de Lorenz é muito próxima da linha de 45 graus, o que mostra como as instituições da pirataria permitiam que tripulantes comuns reivindicassem uma parcela significativa da renda.
Por outro lado, quando os navios da Marinha Real, Favourite e Active, capturaram o navio espanhol La Hermione, a divisão do saque nos dois navios de guerra britânicos foi muito menos igualitária. As curvas de Lorenz mostram que os tripulantes comuns receberam cerca de um quarto da renda, com o restante sendo destinado a um pequeno número de oficiais e ao capitão. Você pode observar que a distribuição no Favourite era mais desigual que no Active, com a parcela destinada a cada membro da tripulação sendo menor no primeiro. Pelos padrões da época, os piratas eram inusitadamente democráticos e justos nos acordos que faziam entre si.
Figura 5.13 A distribuição dos saques: os piratas e a Marinha Real.
O coeficiente de Gini
- coeficiente de Gini
- Medida da desigualdade de qualquer quantidade, como renda ou riqueza, variando de zero (se não há desigualdade) até um (se um único indivíduo recebe toda a quantidade).
A curva de Lorenz nos dá uma ideia da disparidade de renda em toda a população, mas pode ser útil ter uma medida simples do grau de desigualdade. Você pode observar que distribuições mais desiguais têm uma área maior entre a curva de Lorenz e a linha de 45 graus. O coeficiente de Gini (ou índice de Gini), nomeado em homenagem ao estatístico italiano Corrado Gini (1884–1965), é calculado como sendo a razão entre essa área e a área de todo o triângulo sob a linha de 45 graus.
Se todos têm a mesma renda, de modo que não há desigualdade, o coeficiente de Gini é zero. Se um único indivíduo recebe toda a renda, o coeficiente atinge seu valor máximo, um. Na Figura 5.14a, podemos calcular o coeficiente de Gini para a propriedade de terra tomando a área A, entre a curva de Lorenz e a linha de perfeita igualdade, como uma proporção da área (A + B), o triângulo abaixo da linha de 45 graus:
Figura 5.14a Curva de Lorenz e coeficiente de Gini da propriedade da riqueza.
A Figura 5.14b mostra os coeficientes de Gini para cada uma das curvas de Lorenz que traçamos até agora.
Distribution | Gini |
---|---|
Navio pirata Royal Rover | 0,06 |
Navio da Marinha Britânica Active | 0,59 |
Navio da Marinha Britânica Favourite | 0,6 |
O vilarejo com meeiros e proprietários de terra | 0,9 |
Comparando coeficientes de Gini.
Figura 5.14b Comparando coeficientes de Gini.
A rigor, esse método de calcular o coeficiente de Gini nos dá apenas uma aproximação. O coeficiente é mais precisamente definido como uma medida da diferença média de renda entre todos os pares de indivíduos na população, como explica o Einstein no final desta seção. O método da área nos dá uma aproximação precisa apenas quando a população é grande.
Comparando distribuições de renda e desigualdade ao redor do mundo
- renda disponível
- Renda disponível após o pagamento de impostos e o recebimento de transferências do governo.
Para avaliar a desigualdade de renda em um país, podemos analisar o total da renda obtida no mercado (todos os rendimentos de empregos, trabalho autônomo, poupança e investimentos) ou a renda disponível, que capta melhor o padrão de vida. A renda disponível é o que um domicílio pode gastar após pagar impostos e receber transferências (como pensões e auxílio-desemprego) do governo:
No Capítulo 1, comparamos a desigualdade nas distribuições de renda dos países utilizando a razão 90/10. As curvas de Lorenz nos dão um retrato mais completo das diferenças entre as distribuições. A Figura 5.15 mostra a distribuição da renda obtida no mercado na Holanda em 2010. O coeficiente de Gini é 0,47, então, por essa medida, a desigualdade é maior do que no Royal Rover, mas menor do que nos navios da marinha britânica. A análise da Figura 5.15 mostra como políticas redistributivas resultam em uma distribuição mais igualitária da renda disponível.
Observe que, na Holanda, quase um quinto das famílias têm renda de mercado quase nula, mas ainda assim têm renda disponível suficiente para sobreviver, ou até mesmo viver confortavelmente: o quinto mais pobre da população recebe cerca de 10% da renda disponível total.
Há muitas formas diferentes de medir a desigualdade de renda além do coeficiente de Gini e da razão 90/10, mas os dois são amplamente utilizados. A Figura 5.16 compara os coeficientes de Gini para a renda disponível e a renda de mercado ao longo de uma amostra grande de países, ordenada da esquerda para a direita, do país menos desigual para o mais desigual de acordo com a medida de renda disponível. O principal motivo das diferenças significativas de desigualdade de renda disponível entre os países é até que ponto os governos podem tributar as famílias mais abastadas e transferir o arrecadado para as mais pobres.
Note que:
- As diferenças entre países na desigualdade de renda disponível (topo das barras inferiores) são muito maiores do que as diferenças na desigualdade de renda de mercado (topo das barras superiores).
- Nas economias de renda elevada, os Estados Unidos e o Reino Unido estão entre as mais desiguais.
- Os poucos países pobres e de renda média para os quais há dados disponíveis são ainda mais desiguais do que os Estados Unidos em renda disponível, mas…
- … (com exceção da África do Sul) isso é resultado, principalmente, do baixo grau de redistribuição dos ricos para os pobres, e não de uma desigualdade inusitadamente alta na renda de mercado.
No Capítulo 19 (Desigualdade), estudaremos mais detalhadamente a redistribuição de renda por parte dos governos.
Desigualdade na renda de mercado e na renda disponível ao redor do mundo.
Figura 5.16 Desigualdade na renda de mercado e na renda disponível ao redor do mundo.
OECD. Income Distribution Database.
Questão 5.10 Selecione a(s) resposta(s) correta(s)
A Figura 5.15 mostra a curva de Lorenz para a renda de mercado na Holanda em 2010.
Qual(quais) das afirmações seguintes está(estão) correta(s)?
- Se a área A aumenta, a desigualdade (medida pelo coeficiente de Gini) também aumenta.
- Esse método pode ser usado quando a população é grande, como no caso de um país inteiro, como a Holanda.
- Países com coeficientes de Gini menores têm menor desigualdade (segundo essa medida), logo, uma distribuição de renda mais igualitária.
- O coeficiente assume valor zero quando todos têm a mesma renda (a curva de Lorenz está sobre a linha de perfeita igualdade).
Exercício 5.9 Comparando distribuições de riqueza
A tabela mostra três distribuições alternativas da propriedade de terras em uma aldeia com 100 pessoas e 100 hectares de terra. Desenhe as curvas de Lorenz para cada caso. Para os casos I e III, calcule o coeficiente de Gini. Para o caso II, mostre no diagrama da curva de Lorenz como o coeficiente de Gini pode ser calculado.
I 80 não possuem nada 20 pessoas têm 5 hectares cada II 40 não possuem nada 40 pessoas têm 1 hectare cada 20 pessoas têm 3 hectares cada III 100 pessoas têm 1 hectare cada
Einstein Desigualdades como diferenças entre as pessoas
O coeficiente de Gini é uma medida de desigualdade definida precisamente como:
Para calcular g, você deve conhecer a renda de todos os membros da população:
- Calcule a diferença de renda entre todos os possíveis pares de indivíduos na população.
- Calcule a média dessas diferenças.
- Divida esse número pela renda média da população para obter a diferença média relativa.
- g = diferença média relativa dividida por dois.
Exemplos:
Há apenas dois indivíduos na população e um deles possui toda a renda. Suponha que as respectivas rendas são 0 e 1.
- Diferença entre as rendas do par = 1.
- Esta é a diferença média, pois há apenas um par.
- Renda média = 0,5, então a diferença média relativa = 1/0,5 = 2.
- g = 2/2 = 1 (perfeita desigualdade, como esperado).
Duas pessoas estão dividindo um bolo: uma tem 20%, e a outra, 80%.
- A diferença é de 60% (0,60).
- Esta é a diferença média (como no exemplo anterior, há apenas duas rendas).
- A renda média é de 50% ou 0,50. A diferença média relativa é 0,6/0,5 = 1,20.
- g = 0,60.
O coeficiente de Gini é uma medida da desigualdade das fatias. Como exercício, demonstre que, se o tamanho da fatia menor for σ, g = 1 − 2σ.
Há três pessoas e uma delas possui toda a renda, que assumimos ser igual a 1 unidade.
- As diferenças de renda para os três pares possíveis são 1, 1 e 0.
- Diferença média = 2/3.
- Diferença média relativa = (2/3)/(1/3) = 2.
- g = 2/2 = 1.
Aproximação do coeficiente de Gini utilizando a curva de Lorenz
Se a população é grande, obtemos uma boa aproximação do coeficiente de Gini utilizando as áreas no diagrama de Lorenz: g ≈ A/(A + B).
No entanto, com um pequeno número de pessoas, essa aproximação não é precisa.
Você pode verificar isso analisando o caso de “perfeita desigualdade”, em que um indivíduo detém 100% da renda: neste caso, o verdadeiro coeficiente de Gini é 1 para qualquer que seja o tamanho da população (calculado para populações de 2 e 3, acima). A curva de Lorenz é horizontal em zero até o último indivíduo, e então salta para 100%. Tente desenhar as curvas de Lorenz quando o tamanho da população, N, é 2, 3, 10 e 20.
- Quando N = 2, A/(A + B) = 0,5: péssima aproximação do valor real, g = 1.
- Quando N é grande, a área A não é tão grande quanto a área A + B, mas a razão é quase igual a 1.
Há uma fórmula que calcula o coeficiente de Gini correto a partir do diagrama de Lorenz:
$$ g = \frac{N}{N-1}\frac{\text{A}}{\text{A+B}} $$
(Confira você mesmo que a fórmula funciona para o caso de perfeita desigualdade quando N = 2.)
5.13 Uma política para redistribuir o excedente e aumentar a eficiência
Ângela e Bruno vivem no mundo hipotético de um modelo econômico, mas agricultores e proprietários de terras reais enfrentam problemas parecidos.
No estado indiano de Bengala Ocidental, cuja população é maior do que a da Alemanha, muitos agricultores trabalham no sistema de parceria (bargadars, no idioma bengali), pagando uma parcela da colheita aos proprietários de terra como pagamento pelo seu uso.
Os arranjos contratuais tradicionais ao longo deste vasto estado variavam pouco de aldeia para aldeia, com praticamente todos os bargadars entregando metade da sua colheita para o proprietário da terra na época da colheita. Essa vinha sendo a norma desde, pelo menos, o século XVIII.
Entretanto, na segunda metade do século XX, muitos, assim como Ângela, decidiram que isso era injusto, devido aos níveis extremos de pobreza entre os bargadars. Em 1973, 73% da população rural vivia na pobreza, uma das maiores taxas de pobreza na Índia. Em 1978, a Frente de Esquerda, governo recém-eleito em Bengala Ocidental, adotou um novo conjunto de leis, conhecido como Operação Barga.
As novas leis estabeleciam que:
- Os bargadars poderiam ficar com até três quartos da sua colheita.
- Os bargadars estavam protegidos de serem despejados pelos proprietários desde que pagassem a cota de 25%.
Ambas as disposições da Operação Barga foram justificadas como sendo uma forma de aumentar a produção. Com certeza havia motivos para prever que o tamanho do bolo aumentaria, assim como as rendas dos agricultores:
- Os bargadars tinham um maior incentivo para trabalhar muito e bem: assegurar-lhes uma maior parcela significava que haveria uma recompensa maior por produzir mais.
- Os bargadars tinham um incentivo para investir na melhoria da terra: estavam confiantes de que cultivariam o mesmo terreno no futuro, então seriam recompensados pelo seu investimento.
Assim, Bengala Ocidental verificou um aumento drástico no produto agrícola por unidade de terra, assim como nas rendas dos agricultores. Comparando a produção das fazendas antes e depois da implementação da Operação Barga, economistas concluíram que a operação levou a mais motivação para o trabalho e maior investimento. Um estudo sugeriu que a Operação Barga foi responsável por cerca de 28% do crescimento subsequente da produtividade agrícola na região. O empoderamento dos bargadars também teve efeitos externos (spillovers) positivos, pois os governos locais se tornaram mais atentos às necessidades dos agricultores mais pobres.5
Eficiência e equidade
Posteriormente, a Operação Barga foi citada pelo Banco Mundial como exemplo de boa política de desenvolvimento econômico.6
A Figura 5.17 resume os conceitos desenvolvidos neste capítulo, os quais podemos usar para avaliar o impacto de uma política econômica. Tendo coletado evidências para descrever a alocação resultante, indagamos: é eficiente de Pareto? É justa? Por esses critérios, é melhor do que a alocação original?
Eficiência e equidade.
Figura 5.17 Eficiência e equidade.
As evidências de que a Operação Barga aumentou as rendas indicam que o bolo aumentou e que os mais pobres receberam uma fatia maior.
A princípio, o aumento do tamanho do bolo significa que poderia haver ganhos mútuos com as reformas, melhorando a situação dos agricultores e de proprietários de terras.
Contudo, a real mudança de alocação não foi uma melhoria de Pareto. As rendas de alguns proprietários de terras caíram após a redução da sua parcela da colheita. Ainda assim, ao aumentar a renda dos mais pobres em Bengala Ocidental, podemos considerar que a Operação Barga foi justa. Podemos assumir que muitas pessoas pensaram o mesmo em Bengala Ocidental, pois continuaram a votar na aliança da Frente de Esquerda, que permaneceu no poder de 1977 a 2011.
Não temos informações detalhadas sobre a Operação Barga, mas podemos ilustrar o efeito da reforma agrária sobre a distribuição de renda na aldeia hipotética da seção anterior, com 90 agricultores e 10 proprietários de terras. A Figura 5.18 mostra as curvas de Lorenz. Inicialmente, os agricultores pagam 50% da sua colheita para utilizar a terra dos proprietários. A Operação Barga aumenta para 75% a participação dos agricultores na colheita, deslocando a curva de Lorenz em direção à linha de 45 graus. Como resultado, o coeficiente de Gini da renda se reduz de 0,4 (semelhante aos dos Estados Unidos) para 0,15 (muito abaixo dos índices das economias ricas mais igualitárias, como a Dinamarca). O Einstein no final desta seção mostra como o coeficiente de Gini depende da proporção de agricultores e da sua parcela da colheita.
Negociação na prática: como uma reforma na legislação de posse de terras em Bengala Ocidental reduziu o coeficiente de Gini.
Figura 5.18 Negociação na prática: como uma reforma na legislação de posse de terras em Bengala Ocidental reduziu o coeficiente de Gini.
Einstein A curva de Lorenz e o coeficiente de Gini em uma economia com divisão de classes e grande população
Considere uma população de 100 pessoas, em que uma parcela n é responsável pela produção e os outros são empregadores (ou proprietários de terra, ou outros detentores de direitos sobre a renda que não sejam produtores).
Tome como exemplo os agricultores e proprietários no texto sobre Bengala Ocidental. Cada um dos n × 100 agricultores ou agricultoras produz q e recebe uma fração s desse total; assim, cada agricultor tem renda sq. Os (1 − n) × 100 empregadores recebem uma renda de (1 − s)q cada.
A figura abaixo apresenta a curva de Lorenz e a linha de perfeita igualdade, de modo similar à Figura 5.18 do texto.
Figura 5.19 A curva de Lorenz e a linha de perfeita igualdade.
A inclinação da linha que separa a área A de B1 é s/n (a parcela do produto total que cada agricultor recebe), e a inclinação da linha que separa a área A de B3 é (1 − s)/(1 − n), a parcela do produto total que cada proprietário recebe. Podemos obter uma aproximação do coeficiente de Gini pela expressão A/(A + B), onde, segundo a figura, B = B1 + B2 + B3.
Assim, podemos expressar o coeficiente de Gini em termos dos triângulos e do retângulo na figura. Para entender como, observe que a área de todo o quadrado é 1, enquanto a área (A + B) abaixo da linha de perfeita igualdade é 1/2. A área A é (1/2) − B. Assim, podemos escrever o coeficiente de Gini como
Pela figura, vemos que
logo,
Isso significa que, nesse caso simples, o coeficiente de Gini corresponde à parcela da população total responsável pela produção (os agricultores) menos a parcela da produção que este grupo recebe em renda.
Na economia deste modelo, a desigualdade aumentará se:
- A parcela de produtores na economia aumentar, mas a parcela total da produção que recebem permanecer inalterada. Este seria o caso se alguns dos proprietários de terras se tornassem agricultores, cada um recebendo uma parcela s da colheita que produzisse.
- A parcela de colheita recebida pelos produtores diminuir.
5.14 Conclusão
As interações econômicas são regidas por instituições, que especificam as regras do jogo. Para entender os possíveis resultados, primeiro devemos considerar quais alocações são tecnicamente factíveis, dados os limites impostos pela biologia e pela tecnologia. Depois, se a participação é voluntária, procuramos as alocações economicamente factíveis: aquelas que poderiam oferecer ganhos mútuos (um excedente) e, logo, são melhorias de Pareto em relação às posições de reserva das partes envolvidas.
Qual das alocações factíveis de fato ocorrerá é algo que depende do poder de barganha de cada parte, o qual determina como um excedente será dividido e depende, por sua vez, das instituições que regem a interação. Podemos avaliar e comparar as alocações utilizando dois critérios importantes para avaliar as interações econômicas: equidade e eficiência de Pareto.
Conceitos apresentados no Capítulo 5
Antes de continuar, revise as seguintes definições:
- Instituições
- Poder
- Poder de barganha
- Alocação
- Critério de Pareto, dominância de Pareto e melhoria de Pareto
- Eficiência de Pareto
- Curva da eficiência de Pareto
- Avaliações substantivas e procedimentais de justiça
- Renda econômica (em comparação com a renda pelo uso da terra)
- Excedente conjunto
- Curva de Lorenz e coeficiente de Gini
5.15 Referências bibliográficas
- Banerjee, Abhijit V., Paul J. Gertler, and Maitreesh Ghatak. 2002. ‘Empowerment and Efficiency: Tenancy Reform in West Bengal’. Journal of Political Economy 110 (2): pp. 239–280.
- Clark, Andrew E., and Andrew J. Oswald. 2002. ‘A Simple Statistical Method for Measuring How Life Events Affect Happiness’. International Journal of Epidemiology 31 (6): pp. 1139–1144.
- Leeson, Peter T. 2007. ‘An–arrgh–chy: The Law and Economics of Pirate Organization’. Journal of Political Economy 115 (6): pp. 1049–94.
- Lorenz, Max O. 1905. ‘Methods of Measuring the Concentration of Wealth’. Publications of the American Statistical Association 9 (70).
- Pareto, Vilfredo. 2014. Manual of political economy: a variorum translation and critical edition. Oxford, New York, NY: Oxford University Press.
- Raychaudhuri, Ajitava. 2004. Lessons from the Land Reform Movement in West Bengal, India. Washington, DC: World Bank.
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Peter T. Leeson. 2007. ‘An-arrgh-chy: The Law and Economics of Pirate Organization’. Journal of Political Economy 115 (6): pp. 1049–94. ↩
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Vilfredo Pareto. (1906) 2014. Manual of Political Economy: A Variorum Translation and Critical Edition. Oxford, New York, NY: Oxford University Press. ↩
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Andrew Clark e Andrew Oswald. 2002. ‘A Simple Statistical Method for Measuring How Life Events Affect Happiness’. International Journal of Epidemiology 31 (6): pp. 1139–1144. ↩
-
Max O. Lorenz. 1905. ‘Methods of Measuring the Concentration of Wealth’. Publications of the American Statistical Association 9 (70). ↩
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Abhijit V. Banerjee, Paul J. Gertler e Maitreesh Ghatak. 2002. ‘Empowerment and Efficiency: Tenancy Reform in West Bengal’. Journal of Political Economy 110 (2): pp. 239–80. ↩
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Ajitava Raychaudhuri. 2004. Lessons from the Land Reform Movement in West Bengal, India. Washington, DC: World Bank. ↩